O crescente poder de decisão dos consumidores quanto à energia que utilizam está contribuindo, no mundo todo, para a transição para matrizes elétricas mais limpas. Na Europa e nos Estados Unidos, esse poder da escolha direta do consumidor tem favorecido um verdadeiro tsunami de investimentos em favor do desenvolvimento das fontes renováveis. A dúvida, por aqui, é até que ponto o Brasil está preparado para esse movimento, ou deixará que se limite a apenas uma marolinha. Até há algum tempo, a maioria dos participantes do mercado de energia atribuiriam pouca ou nenhuma importância para os consumidores: a energia seria uma commoditie que deveria ser cotada pelo menor preço.
Nos últimos anos, no entanto, o quadro se inverteu: a combinação de interesses de operadores do mercado e de grandes consumidores globais de energia com as propostas de fornecedores de tecnologia em energia renovável tem impulsionado o crescimento das opções de escolha dos produtos de eletricidade. A possibilidade de produzir a própria energia, fechar contratos de compra de longo prazo (PPAs), ter participação acionária em empreendimentos de geração ou negociar certificados de energia renovável (RECs) permitem que os consumidores finais de eletricidade desempenhem papel cada vez mais ativo na transição do setor, tendo como principal direcionamento a expansão do uso das fontes de energia renováveis.
Em reunião recente realizada em Amsterdã, a European Renewable Energy Markets (REM – 2017) abordou o tema da escolha do consumidor no mercado de energia do ponto de vista das várias partes desse mercado. Do lado dos consumidores, foi destacada a iniciativa REM 100, que reúne empresas globais comprometidas com o consumo de 100% de energia renovável. Com apenas três anos, a iniciativa conta com mais de 90 empresas de grande porte que possuem metas rumo à totalidade do abastecimento de suas unidades a partir de fontes renováveis. Para atingir esse objetivo, utilizam várias estratégias, como a compra de G.O. – garantias de origem (na Europa), RECs (no mercado norte-americano) e Irecs, em âmbito mundial. As possibilidades incluem ainda a autoprodução, a assinatura de PPAs virtuais – que garantem investimentos adicionais em energia renovável sem comprometer a estrutura de preços de aquisição de energia – e a assinatura de PPAs tradicionais com fontes renováveis.
No que diz respeito à geração, a perspectiva da empresa europeia do ramo de energia Statkraft é que ocorra uma queda drástica dos custos de autogeração (principalmente solar Fotovoltaica) e de armazenamento por meio de baterias mais eficientes. A lógica de abastecimento deve migrar, portanto, de grandes usinas distantes dos centros de consumo para uma composição de mercados locais e regionais de geração e distribuição de energia, com redes inteligentes. Essa alteração exigirá total revisão das práticas empresariais.
Consultorias ligadas à comercialização de ativos ambientais de energia seguem a mesma linha: para Tom Lindberg, da europeia Ecohz, existe uma demanda corporativa mundial da ordem de 10.000TWh ao ano, sendo que a parte renovável representa somente cerca de 2.500 TWh, e dos quais apenas 800 TWh se encontram bem documentados e rastreados.
O mercado de energia brasileiro começa a sentir o peso das mudanças estruturais e do poder de escolha do consumidor. Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), em 2016 houve aumento de 25 vezes no número de pedidos aprovados de adesão de consumidores ao mercado livre. A geração solar, por sua vez, tem experimentado crescimento exponencial dos últimos meses, principalmente após a edição da Resolução 687/2015 sobre micro e minigeração distribuída. E o Programa Brasileiro de Certificação de Energia Renovável, que agora atende aos critérios internacionais do Irec, já certificou mais de 15 empreendimentos de Geração de Energia renovável, garantindo a oferta potencial de mais de 1.500.000 RECs anuais (cada certificado equivale a 1MWh de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis).